O fascínio pela raia portuguesa

Uma estrada perdida onde mal passa um carro, independentemente de ter dois sentidos, estende-se perdida por entre serras agrestes. O carro desliza em marcha lenta, puxada por duas mudanças medrosas. Não há asfalto debaixo da borracha quente. Apenas pedras, gastas pelo tempo, pelos carros de bois e pelo lufa-lufa de quem trabalha a terra. Hesito, vezes sem conta, penso nos tractores, máquinas gigantes que possam aparecer em sentido contrário. Mas do outro lado apenas o vazio da incerteza. Uma quietude agitada invade o habitáculo do veículo e impele-me a abrir a janela. Sente-se um cheiro a vida, que corre nas veias das nascentes que teimosamente continuam, ano após ano, a brotar do duro granito e a desbravar terreno, a construir vales. Paro o carro, estaciono os meus pés em terra firme e embrenho-me num campo de cevada. O vento sibila da fronteira uma cantilena imperceptível, encantatória.




À medida que me apaixono por este pulsar, os meus olhos estendem-se pelo horizonte. O branco das giestas, engrossadas pelo passagem do tempo, ocupam grande parte do que a vista alcança. Deixam espaço apenas ao roxo electrizante do rosmaninho, ao cor-de-rosa intenso da urze e ao cinzento rochoso. A ocupação humana é claramente diminuta. Um foco aqui, outro acolá. Como se alguém tivesse salpicado a paisagem, enclausurando as gentes numa beleza inóspita. Todavia, a aspereza da paisagem não tirou o sorriso aos povoados, às gente que tão bem recebem e que tão bem tratam. Antes pelo contrário. É como se a escabrosidade do contexto em que vivem lhes tivesse atribuído outra sensibilidade.  Retomo a viagem.



Nem sempre a raia portuguesa deve ter sido assim difícil. Talvez nos tempos em que schengen não existia, e que as fronteiras tinham guardas e casas de câmbio a raia fosse diferente. Talvez nessa altura as estradas não parecessem tão perdidas na sua solidão. Mas eu não sou dessa altura. Vivo no presente e cativa-me esta quase ilha dentro de Portugal continental. Cativa-me o seu isolamento, cativa-me a sua maneira de receber, cativam-me as giestas, cativa-me o mar de campo selvagem que se estende até perder de vista. Continuo em frente nesta minha viagem. E matreiramente penso que esta estrada perdida não é o melhor sítio para se ter um furo.





Sugestão de visita: Se se quiserem perder sugiro uma visita ao concelho do Sabugal, mais concretamente à Rota dos 5 Castelos. Embora só estejamos a falar de cinco locais de visita, a verdade é que devido ao afastamento entre os sítios, poderão percorrer grande parte do concelho. Podem encontrar toda a informação aqui. Já agora, enquanto procuram os cinco castelos, façam um desvio até à Nascente do Côa. Para os menos aventureiros este desvio pode ser um bocadinho assustador, uma vez que a nascente fica num local bastante isolado entre Portugal e Espanha, mas acreditem a vista que se têm deste sítio é de cortar a respiração.

Sítio onde pernoitar: Durante a minha escapadinha de fim-de-semana, tive a sorte de ficar alojada nos Palheiros do Castelo, na cidade do Sabugal. Para além das casas serem lindíssimas, por dentro e por fora, como se trata de habitações individuais, uma pessoa pode ficar mais à vontade, com mais privacidade. Além disso, para pessoas que queiram evitar os restaurantes é a solução ideal, uma vez que as casa estão equipadas com modernas kitchenettes. Os Palheiros do Castelo ficam no centro da cidade com vista privilegiada para o castelo principal da Rota dos 5 Castelos e para a parte velha da cidade. Podem conhecer o projecto aqui.

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