Portraits

Olho a cartografia profundamente rugosa que a sua cara me apresenta. Cada reentrância é a prova de uma história, de várias histórias de vida. Observo com atenção e apercebo-me que nas suas faces, os contos sobre meninices antigas e saudáveis foram substituídos com historietas que relatam as passagens tormentosas de uma vida repleta de agruras.Oiço as mesmas histórias vezes sem conta. Apetece-me avisá-la de tal situação. Informá-la de que caminha a passos largos para a loucura, para a insanidade total e irreversível.
Todavia,terei eu o direito de roubar os poucos momentos de sentida felicidade daquele ser frágil e tão perecível?

Calo-me e oiço. Uma vez mais.Cada relato, embora baseado nos mesmos factos, assume sempre contornos distantes da realidade. Pelo menos da realidade tal e qual a conhecemos mas muito fiel à confusão que assola a sua mente


O medo aprisiona-a. À medida que recapitula o passado, de forma fantasiada, segura-me a mão com pulso firme. “Não quero estar sozinha no derradeiro final, quando acabarem as histórias e se instale o silêncio” transmite-me ela com uma olhar pesado, penetrante, quase suplicante. Sorrio. Ela sorri de volta e todas as rugas, cavadas dolorosamente na sua cara, encavalitam-se num espaço transcendente de serenidade, abrindo espaço para os últimos momentos de felicidade.

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