O regresso

Nunca poderia esquecer aquele dia perfeito.
Um vento raivoso e desobediente latia sem cessar, atingindo o guarda-chuva seguro pela mão direita.
Quem assistia àquele cenário através das vidraças embaciadas, diria que um tolinho aos pulos se aproximava da casa em ruínas. Na verdade, toda a carga intempestiva que invadia o meu regresso impedia-me de avançar em linha recta.
Desalinhado, a roupa a pingar em bica, as calças enlameadas…enfim…
com o nojo que sempre demonstraram nutrir pela diferença, era de esperar que pelo menos tivessem atiçado os cães ou disparado um balázio pelo meu cu acima.

Não gosto de cães.


Porém, já não me interessava os pensamentos moralmente hipócritas emanados no aconchego perverso dos parcos lares beatos que componham a aldeia.

Já não pertencia ali.
Não fosse a tua pergunta, ou, digamos, a discussão silenciosamente irascível, gerada após teres indagado sobre a minha permanência em Lisboa, e eu não teria voltado à parvónia, à casa, ao passado.
O passado! Foi dele que fugi, à porra das adversidades, do isolamento, da mediocridade, da intolerância. Sabes disso. Agora sei que sabes!
Acerquei – me do portão. Estranhamente estava aberto. Talvez a ferrugem já não permitisse a imponência de outros tempo. Naqueles em que, quando o sino anunciava a vinda de alguém, os ferrolhos levavam horas até permitirem a sua entrada. Enclausuravam tesouros, nesses tempos. Eram outros,
diria o guardião,
os tempos. Alarvices pedagogicamente fascizantes abominadas por mim durante uma eternidade.
Empurrei a amálgama de ferro que ainda restava do portão com algum receio.

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