O começo de nada (III)

A tarde envelhecia triste. Como tantas outras tardes na aldeia do monte. Uma brisa abafada queimava o ar, tornando-o irrespirável. Quanto mais a tarde caminhava para o seu fim, mais o dia rejuvenescia em calor, como se de um inferno terreno se tratasse. O céu azul desprovido de nuvens cobria-se de finos percursos rasgados pelos motores aéreos. Em cada porta, de cada casa imperava o silêncio, indicando um forçoso recolher obrigatório. Até os pardais, habituados a chilrear de modo infantil durante todo o dia, tinham decidido calar o bico, aproveitando a fresquidão das sombras vistosas que brotavam junto às águas paradas de um riacho em vias de extinção. A aldeia do monte pasmava na quietude do isolamento rural, resignando-se ao fado dolente que, no quotidiano, rumina no desânimo da inutilidade.
Só à porta da taberna da Catumbela se registava um pedaço de vida. Sentado por debaixo do toldo de cores descoradas, o Zé do Pipo amaciava, com o toque áspero das mãos gretadas a longa velha barba. Aguardava, a chegada do rumor no silêncio da aldeia.

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