Black Tea

O chá preto arrefecia com elevada preguiça, na caneca amarelecida pelo uso abusado de longos, consecutivos e aborrecidos anos. À minha frente carreiros desnorteados de vapor exibiam-se com falsa modéstia, tentando arrecadar olhares e atenções. Uma dilacerante e profunda dor percorria as veias da minha cabeça, aumentando o grau de sofrimento à medida que se ampliava o cacarejar estridente que ressoava pelas paredes do café. As conversas desconexas entrecruzavam-se. Temas como leitura de livros Zen e a solidariedade para com os pequenos, pobres e coitadinhos, fundiam-se com maledicências dirigida a terceiros.
Com os olhos perdidos nas espirais de fumo, pensei de mim para mim se pode haver tamanha discrepância entre o que se defende e o que se pratica. Mantive a minha poker-face. Mas um nó retorcia o meu estômago e não me deixava sossegar. Atirei um golo quente de chá contra as amígdalas, fazendo com que o líquido derrete-se as minhas entranhas. Reflecti. Nada é linear, nada é cem por cento mau, nada é cem por cento bom. Por isso, aquele ressoar de falsos e ilusórios moralismos eram (são) apenas mais uma condição do ser humano, dos seres racionais. Mas, (perguntava a mim mesma) não devem existir limites entre os moralismos que apregoamos e as acções contraditórias com que nos desviamos das nossas teses perfeitamente bondosas? Tal não haja esses limites, será justo dizer que o mundo é uma cambada de aparências fúteis? Deixei-me de reflexões intolerantes. Continuei a beber o meu black tea e esperei, num silêncio mudo e intransponível, pelo fim do lanche.

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