A noite

Chego tarde a casa. A noite sossegou o mundo, mas não o meu espírito. Descalço-me à entrada da porta, evitando ao máximo produzir qualquer barulho. O frio dos mosaicos penetra na pele agudizando o meu mal-estar. A quietude reina em cada divisão. A escuridão, quase total, incomoda-me. Acendo a luz do corredor. Apetece-me um chá. Talvez com sabor a frutos tropicais. O corpo está cansado, quer se entregar ao conforto dos lençóis. Desisto do chá. Percorro o corredor com cuidado até ao quarto. A tua respiração pesada, mas calmante, ressoa pelo quarto. Dispo a saia e a camisa. Deixo o vestuário cinzento cair no chão. Deslizo para o calor que emanas. O meu corpo cansado está frio, mas tento evitar o contacto, tento não te acordar. Não quero chorar. O dia já lá vai. Não quero remoer o passado, os enredos mal amanhados, as historias pouco trabalhadas, os desfechos poucos satisfatórios. Sou forte. Tenho de ser forte. Por mim. E, um pouco, por ti. Sinto a tua respiração a aproximar-se da minha. Beijas-me. Com ternura, com amor, com desejo. Abraças-me e envolves-me no teu peito protector. A frustração acerca-me. Queria ser perfeita. Queria ter capacidade para te amparar. Chegar sempre cedo a casa e embalar-te no meu colo. Prendo-te entre os meus dedos e choro em silêncio.

Sem comentários